Motivação: entre instintos, escolhas e construções sociais - um mergulho nas raízes do comportamento humano

A motivação é um fenômeno complexo que integra fatores biológicos, psicológicos e sociais, sendo impulsionada por necessidades internas, metas externas e relações humanas.

Motivação: entre instintos, escolhas e construções sociais - um mergulho nas raízes do comportamento humano

A motivação é um dos temas mais vastos e fascinantes da psicologia, pois toca diretamente os elementos que impulsionam o comportamento humano. Desde a antiguidade, pensadores tentam compreender o que leva as pessoas a agir, persistir ou desistir diante das circunstâncias da vida. Platão já afirmava que a alma humana se divide entre razão, apetites e impulsos, sendo a razão responsável por moderar os desejos mais instintivos. Esse modelo foi, posteriormente, reformulado por Freud ao propor o conflito entre Id, Ego e Superego, em que os impulsos internos (o Id) precisam ser regulados pela razão e pelas normas internalizadas. Descartes, por sua vez, estabeleceu uma distinção entre o corpo, visto como mecânico e passivo, e a mente, como fonte ativa de vontade, alimentando o debate dualista que por muito tempo influenciou os estudos sobre motivação.

Com o avanço da psicologia científica, o conceito de motivação passou a ser explorado de forma mais sistemática, especialmente a partir do século XX. Robbins (2012) define a motivação como o processo responsável pela intensidade, direção e persistência dos esforços de um indivíduo para alcançar um objetivo. Essa definição amplia o entendimento sobre o comportamento ao sugerir que a motivação não é apenas uma faísca inicial, mas um ciclo contínuo de ação sustentada. Ryan e Deci (2000) complementam essa ideia ao distinguir dois tipos principais de motivação: a intrínseca, oriunda do interesse e satisfação pessoal, e a extrínseca, movida por recompensas externas.

A experiência de Chris Gardner, retratada no filme À Procura da Felicidade, é uma ilustração poderosa da motivação intrínseca. Gardner enfrentou a fome, a pobreza e o abandono social sem desistir de seus objetivos, demonstrando como a força interior pode sustentar a ação mesmo diante de cenários adversos. Essa capacidade de perseverar revela a complexidade da motivação humana, que não pode ser explicada apenas por reforços externos, mas também pela presença de propósitos profundos e desejos pessoais.

As teorias que buscam explicar a motivação podem ser agrupadas em dois grandes enfoques: o baseado em objetivos e o baseado em necessidades. No primeiro grupo, encontramos a Teoria X e Y de McGregor (1960), que contrapõe duas visões sobre o trabalhador, uma que considera o ser humano naturalmente avesso ao trabalho, movido por punições e recompensas (Teoria X), e outra que acredita na capacidade de autorrealização quando as condições são favoráveis (Teoria Y). Outra teoria importante é a de Edwin Locke, que propõe que metas específicas, desafiadoras e mensuráveis são os principais fatores para o engajamento e o alto desempenho. Segundo Locke, “a maior motivação que existe é a intenção de lutar por um objetivo”, desde que esse objetivo tenha sentido para a pessoa, esteja alinhado com seus valores e proporcione feedbacks claros de progresso. Victor Vroom, por sua vez, propõe que a motivação é resultado de três fatores interdependentes: a expectativa de que o esforço levará ao desempenho, a percepção de que o desempenho resultará em uma recompensa e a valência atribuída a essa recompensa. Em sua equação clássica, motivação = expectativa × instrumentalidade × valência.

No segundo grupo, baseado nas necessidades, destaca-se a famosa Teoria da Hierarquia de Maslow, que propõe uma pirâmide progressiva, das necessidades básicas (fisiológicas e segurança) até as mais elevadas (autoestima e autorrealização). Segundo Maslow, só quando os níveis inferiores estão razoavelmente satisfeitos é que o indivíduo se sentirá impulsionado a buscar níveis mais elevados. Herzberg, por outro lado, distingue entre fatores higiênicos (como salário e condições de trabalho) e fatores motivacionais (como reconhecimento, autonomia e crescimento pessoal), propondo que a ausência dos primeiros gera insatisfação, mas apenas a presença dos segundos motiva verdadeiramente. David McClelland complementa esse panorama ao identificar três grandes necessidades que motivam os indivíduos: necessidade de realização, de afiliação e de poder.

No campo fisiológico, a motivação também encontra respaldo em estruturas neurológicas fundamentais. O hipotálamo é considerado o centro regulador de comportamentos motivados, como fome, sede, temperatura corporal e desejo sexual. Lesões nessa região podem afetar drasticamente a capacidade do indivíduo de identificar suas necessidades e responder a elas. A homeostase, conceito desenvolvido por Walter Cannon, é o princípio segundo o qual o organismo tende a manter seu equilíbrio interno, e as necessidades fisiológicas são os sinais que indicam o rompimento desse equilíbrio, gerando impulsos motivacionais. A necessidade de pertencimento, por exemplo, além de ser um fator social, é também biológica, humanos evoluíram em grupos e desenvolveram sistemas de alerta quando experimentam exclusão. Estudos de Schachter (1959) revelam que pessoas ansiosas tendem a buscar a companhia de outros em situações de desconforto, como forma de validar emoções e amenizar o estresse.

A alimentação é outro exemplo de comportamento motivado por impulsos biológicos e reforços externos. A escolha do que comemos está diretamente ligada ao sabor, à cultura, à variedade e às experiências emocionais. O sistema límbico, responsável pelas emoções e recompensas, é ativado quando vemos ou saboreamos um alimento prazeroso. Pavlov, com seus estudos sobre o condicionamento, demonstrou que os seres humanos aprendem a associar determinados horários e estímulos ao ato de se alimentar, mesmo sem a presença imediata da fome.

O comportamento sexual, por sua vez, é regulado por hormônios como a testosterona, estrogênio e dopamina. A resposta sexual humana, descrita por Masters e Johnson (1966), compreende quatro fases: excitação, platô, orgasmo e resolução. A motivação sexual está ligada tanto a impulsos biológicos quanto a fatores culturais, sociais e simbólicos, revelando, mais uma vez, o caráter multifatorial da motivação humana.

Compreender a motivação é fundamental não apenas para os profissionais da psicologia, mas também para educadores, gestores, líderes e qualquer pessoa que deseje desenvolver relações mais empáticas e produtivas. Afinal, como afirma Bock, Furtado e Teixeira (2008), a motivação é o processo que mobiliza o organismo para a ação, a partir da interação entre o ambiente, a necessidade e o objeto de satisfação. Não há uma receita única, pois cada indivíduo é movido por diferentes forças, objetivos e significados. Mas há um princípio universal: a motivação começa pela escuta, escuta do próprio corpo, dos sentimentos, das experiências e do outro. Nessa escuta, encontramos o ponto de partida para transformar desejo em ação, e propósito em realização.

Referências

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