Receita Federal amplia fiscalização de transações via Pix e cartões de crédito: uma medida que ameaça o sigilo bancário e contraria princípios constitucionais

Nova fiscalização da Receita Federal ameaça sigilo bancário e levanta preocupações sobre violações constitucionais.

Receita Federal amplia fiscalização de transações via Pix e cartões de crédito: uma medida que ameaça o sigilo bancário e contraria princípios constitucionais

No início deste ano, entraram em vigor as novas regras de fiscalização da Receita Federal sobre transações financeiras realizadas por meio de Pix, cartões de crédito e instituições de pagamento. Embora o governo insista que a medida não implique na criação de novos tributos, críticos apontam que ela representa uma grave ameaça ao direito ao sigilo bancário garantido pela Constituição Federal.

A fiscalização será feita com base em limites estabelecidos para a notificação obrigatória de transações. No caso de pessoas físicas, transações que ultrapassem R$ 5 mil por mês deverão ser informadas. Já para pessoas jurídicas, o limite é de R$ 15 mil mensais. A medida também se aplica às operadoras de cartão de crédito, bancos digitais, cooperativas de crédito e carteiras virtuais, que passarão a ser monitorados de forma massiva, levantando questionamentos sobre o respeito à privacidade dos cidadãos.

Reforço no monitoramento ou vigilância excessiva?

Segundo a Receita Federal, o objetivo principal da nova regulamentação é garantir maior transparência nas operações financeiras e assegurar que os tributos sejam recolhidos corretamente. No entanto, juristas alertam que a medida pode ser interpretada como uma forma de vigilância excessiva, incompatível com os princípios democráticos e constitucionais que garantem a inviolabilidade dos dados bancários.

As informações coletadas serão enviadas à Receita por meio do sistema e-Financeira, que integra o Sistema Público de Escrituração Digital (Sped). Esse sistema, criado em 2007, é responsável pela padronização e processamento de dados financeiros e contábeis, incluindo notas fiscais eletrônicas e registros de abertura e fechamento de contas.

A Receita informou ainda que os relatórios serão enviados semestralmente: 

- As informações do primeiro semestre deverão ser apresentadas até o último dia útil de agosto.  

- Os dados do segundo semestre deverão ser entregues até o último dia útil de fevereiro do ano seguinte, permitindo que as informações constem na declaração pré-preenchida do Imposto de Renda.

Sigilo e privacidade sob risco

Apesar das garantias oferecidas pelo governo de que a medida respeitará as normas de sigilo bancário, especialistas destacam que a amplitude do monitoramento coloca em risco a privacidade financeira dos cidadãos. De acordo com o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, é assegurado o direito à inviolabilidade da vida privada e, por extensão, do sigilo bancário. Dessa forma, o compartilhamento compulsório de informações financeiras sem uma justificativa judicial específica pode ser interpretado como uma afronta a esse dispositivo constitucional.

“A medida visa a um melhor gerenciamento de riscos pela administração tributária, permitindo oferecer melhores serviços à sociedade, sem desrespeitar as normas legais de sigilo bancário e fiscal”, declarou a Receita em comunicado oficial. No entanto, críticos apontam que a simples existência de um banco de dados tão abrangente nas mãos do governo representa um risco potencial à segurança e privacidade dos contribuintes.

Modernização ou controle estatal exacerbado?

Embora a Receita defenda que a medida visa modernizar o sistema de fiscalização, a substituição da antiga Declaração de Operações com Cartões de Crédito (Decred), criada em 2003, pelo novo módulo do e-Financeira levanta preocupações sobre um possível controle estatal exacerbado sobre as finanças pessoais e empresariais. Além disso, com a inclusão de novos tipos de instituições financeiras, como fintechs e carteiras digitais, o governo passa a ter acesso a um volume de dados sem precedentes.

Com essa medida, o Brasil reforça seu compromisso com o Padrão de Declaração Comum (CRS), uma iniciativa internacional que visa combater a evasão fiscal e aumentar a transparência nas operações financeiras globais. Contudo, a adesão irrestrita a padrões internacionais não deve se sobrepor à proteção dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição brasileira.

Impactos para o cidadão comum

Para o cidadão comum, as novas regras de fiscalização não trarão mudanças significativas no dia a dia, desde que as transações financeiras permaneçam dentro dos limites estabelecidos. Por outro lado, as instituições financeiras, como bancos e carteiras digitais, precisarão se adaptar ao novo sistema e garantir o envio adequado das informações dentro dos prazos estipulados.

Contudo, especialistas alertam que, ao abrir precedente para o monitoramento em massa de transações financeiras sem autorização judicial, o governo pode estar criando um ambiente de vigilância permanente que compromete a liberdade econômica e a segurança jurídica dos cidadãos. É fundamental que a sociedade civil e o poder judiciário acompanhem de perto a implementação dessa medida para garantir que o combate à evasão fiscal não se transforme em uma violação dos direitos constitucionais.