Do abraço ao tabuleiro diplomático: Lula, Trump e o novo teste de maturidade do Brasil

O breve encontro entre Lula e Trump sinaliza uma virada estratégica que pode redefinir a política externa brasileira e seu peso no cenário internacional.

Do abraço ao tabuleiro diplomático: Lula, Trump e o novo teste de maturidade do Brasil

O encontro inesperado entre Lula e Donald Trump, com seu breve abraço de 39 segundos e promessa de diálogo futuro, não é apenas um gesto protocolar; é uma jogada de xadrez diplomático e de marketing político. Trump, que ainda não havia discursado na ocasião, tomou a iniciativa e, com gestos de simpatia, desmontou um dos trunfos de Lula: a narrativa de confronto. Ao inverter os papéis e oferecer um contato direto, Trump retirou das mãos do presidente brasileiro o instrumento de pressão que usava ao adiar qualquer diálogo com Washington e ao reclamar das tarifas de 50% impostas sobre exportações, um típico 'bode na sala' para forçar o outro lado a negociar. Essa tática já havia sido testada por outros líderes latino-americanos, como no México, onde concessões sobre drogas e imigração renderam acordos comerciais, e agora coloca Lula diante do mesmo dilema: insistir no discurso de um 'sul global' combativo ou abrir uma frente pragmática com os Estados Unidos.

O gesto de Trump ganha ainda mais relevância no cenário em que Lula vinha ampliando sua retórica contra Israel e alinhando-se a um eixo simbólico com China, Rússia, África do Sul e demais países do chamado 'Sul'. O discurso sereno de Trump, sem resposta direta às críticas de Lula, foi calculado para neutralizar hostilidades e sinalizar liderança responsável, especialmente ao defender a soberania e a integridade territorial da Ucrânia, em contraste à posição brasileira sobre a guerra. Esse contraste entre discursos revela um reposicionamento de forças: enquanto Lula buscava protagonismo global com pautas simbólicas como o reconhecimento do Estado Palestino, Trump se apresentou como um negociador pragmático, deixando Lula sem alternativa senão dialogar.

No plano interno, a diplomacia brasileira atravessa um momento sensível. O Itamaraty, pela voz do chanceler Mauro Vieira, anunciou que a conversa com Trump se daria 'via digital', mas o cenário indica que Lula pode ser pressionado a prolongar sua estada em Nova York para um encontro presencial, onde, como ocorreu com Zelensky, Trump poderia surpreender e expor diferenças ao vivo. É um risco político calculado, pois qualquer gesto público tem repercussão imediata na imagem do Brasil perante organismos multilaterais e parceiros estratégicos.

Esse contexto internacional se entrelaça com tensões domésticas. O episódio do deputado Hugo Motta bloqueando Eduardo Bolsonaro na liderança da minoria expõe a confusão regimental e a disputa pela narrativa de quem representa a oposição. A discussão sobre a 'blindagem' parlamentar na Câmara, supostamente para se proteger do Supremo, demonstra que o artigo 53 da Constituição, que garante a inviolabilidade civil e penal por palavras, votos e opiniões, deixou de ser aplicado de fato, abrindo espaço para uma emenda constitucional que, no fundo, apenas formaliza um direito já existente, mas sistematicamente ignorado. No Senado, figuras como Davi Alcolumbre e Alessandro Vieira seguram pedidos de impeachment de ministros do Supremo, inclusive de Alexandre de Moraes, mostrando como o Legislativo se autogerencia para evitar choques institucionais diretos.

Enquanto isso, o Ministério Público avança sobre aliados do ex-presidente Bolsonaro, denunciando Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo por coação no processo que levou à condenação do ex-chefe do Executivo. Ainda que a suposta coação não tenha gerado prejuízo à Justiça, o gesto é simbólico: sinaliza que qualquer tentativa de pressionar magistrados será enquadrada como crime, ainda que os efeitos sejam apenas políticos.

No pano de fundo, há uma questão social que não pode ser ignorada. Uma carta vinda da Amazônia, escrita por um padre, ecoa o profeta Amós ao denunciar a exploração sutil dos pobres, agora não mais apenas por meio de tributos regressivos, mas também de programas assistenciais mal calibrados. A crítica é direta: se o governo diz ter retirado 30 milhões da pobreza, por que ainda há tantos dependentes de bolsas diversas? Essa contradição, segundo o sacerdote, gera inércia e acomodação, minando a autonomia que deveria ser o objetivo final de qualquer política social. O paralelo bíblico é eloquente: 'Pega tua cama e vai para casa', o chamado de Jesus ao paralítico para que se reerguesse e trabalhasse, é lembrado como um convite à promoção verdadeira, não à dependência eterna.

Tudo isso coloca Lula em um momento crucial. Ao mesmo tempo em que enfrenta uma agenda doméstica turbulenta, vê-se diante da oportunidade e da necessidade de reposicionar o Brasil no tabuleiro internacional, mostrando-se ele próprio como o embaixador legítimo do país, e não seus opositores. A reunião com Trump, seja virtual ou presencial, será mais que uma foto; será um teste de maturidade diplomática, um indicador de se o governo brasileiro está disposto a trocar retórica por resultados concretos. Num mundo fragmentado entre o pragmatismo e a guerra de narrativas, cada gesto conta e um simples aperto de mão pode redefinir a trajetória política de dois líderes e o lugar do Brasil no sistema internacional.