Ciência do sentir, um método para transformar emoção em aprendizado e bem-estar

Análise integra neurociência, mindfulness, autocompaixão e terapia do esquema emocional para mostrar, com evidências, como regular emoções, reduzir ruminação e elevar desempenho e bem-estar.

Ciência do sentir, um método para transformar emoção em aprendizado e bem-estar

Parto da premissa de que sentir não é o mesmo que saber e, ainda assim, é a forma como me relaciono com o sentir que organiza o que aprendo, o que recordo e como ajo. A neuropsicologia e a neurociência da emoção mostram que a aprendizagem eficiente depende da modulação afetiva da atenção e da memória, já que as informações dotadas de valência emocional alcançam com mais facilidade a memória de longo prazo e permanecem mais acessíveis para evocação futura (PINHEIRO, 2022). Em sala, isso se traduz em reconhecer que corpo e mente filtram, armazenam e recuperam experiências de maneira integrada, o que torna o componente emocional parte indispensável do sucesso acadêmico e não um apêndice do processo cognitivo (PINHEIRO, 2022).

Quando projeto contextos de estudo, procuro calibrar gatilhos emocionais construtivos, como desafio adequado, significado percebido e senso de progresso, porque a interdependência entre cognição e afeto define comportamentos, engajamento e qualidade da aprendizagem. A revisão recente sobre emoção e aprendizagem deixa claro que experiências de valor, validação do esforço e relações de parceria favorecem superação do erro e um ambiente ecologicamente propício para aprender, enquanto reações automáticas de defesa podem bloquear processos cognitivos superiores (PINHEIRO, 2022).

Esse desenho pedagógico ganha profundidade quando integro a autocompaixão baseada em mindfulness como tecnologia de cuidado. Ao combinar bondade comigo mesmo, humanidade comum e atenção plena, crio espaço para que emoções difíceis se tornem dados e não decretos, o que inclui lidar com o chamado backdraft, isto é, a emergência de conteúdos antigos quando abro o coração para a experiência. Na prática uso tanto a face terna quanto a face firme da autocompaixão, que acolhe, protege, estabelece limites e sustenta ação orientada por valores, como propõem as rotinas do programa Mindful Self-Compassion (NEFF; GERMER, 2019).

A regulação emocional oferece a ponte conceitual entre afeto e desempenho. Tomo como referência o modelo processual que descreve a sequência situação, atenção, avaliação e resposta e que permite escolher a estratégia certa no momento certo, com preferência pela reavaliação cognitiva antes que a resposta esteja totalmente ativada. A literatura de síntese em língua portuguesa mapeia esses elementos e destaca que emoções influenciam cognição, comportamento e motricidade, além de diferenciar emoção e humor pelo tempo de duração e pela maneira como cada um se modula no organismo (LEMOS; CARVALHO, 2021). Também confirma que a reavaliação é a estratégia com maior nível de evidência entre as modalidades estudadas (LEMOS; CARVALHO, 2021).

No plano neurobiológico, as revisões indicam que intervenções eficazes engajam regiões pré-frontais, responsáveis por demandas cognitivas de alta complexidade, e que essas redes inibem a atividade amigdalar, sinalizando mudança psicológica acompanhada de mudança neural. Esse acoplamento entre sistemas de controle e sistemas límbicos é descrito como base da regulação emocional e ajuda a explicar por que treinos que combinam atenção, linguagem, respiração e perspectiva modificam tanto a experiência subjetiva quanto a assinatura cerebral de quem pratica (LEMOS; CARVALHO, 2021).

Do ponto de vista clínico, adoto a Terapia do Esquema Emocional como linguagem para examinar crenças sobre o que sinto e o que penso sobre sentir. Mapear pressupostos como duração infinita da emoção, perda de controle, vergonha de sentir ou tendência a ruminar e substituí-los por reavaliação, aceitação ativa, exposição graduada, resolução de problemas e ativação comportamental reduz o custo da evitação e interrompe o ciclo derrota, culpa e paralisia. Essa é a linha de intervenção proposta por Robert Leahy e que considero complementar ao repertório da autocompaixão, já que ela diminui o medo do contato com estados internos e aumenta a liberdade para agir alinhado a valores (LEAHY, 2020). 

Em paralelo, penso a formação e o ensino a partir da educação positiva, entendida como aplicação tecnológica da psicologia positiva em escolas e universidades. O modelo PERMA organiza dimensões de bem-estar em emoções positivas, engajamento, relações, sentido e realização e se converteu em referência para desenho de intervenções com base empírica. No cenário brasileiro, investigações recentes mostram a expansão de unidades curriculares de felicidade, com metodologias que incluem inteligência emocional, autoconhecimento, vínculos, gratidão, manejo de tempo, mindfulness e treino de competências socioemocionais, desde que se mantenha rigor científico e diálogo com outras inovações pedagógicas (SILVA; CLEMENTE, 2023).

A literatura sobre bem-estar e propósito de vida reforça que felicidade não se restringe ao prazer imediato. A distinção entre bem-estar hedônico e eudaimônico e a ênfase em sentido, engajamento e uso de forças pessoais sustentam intervenções mais robustas e coerentes com ciclos de vida, ajudando a unir desempenho acadêmico, saúde mental e qualidade de relações ao longo do tempo, argumento recorrente em revisões integrativas na área da saúde e do desenvolvimento (RYAN; DECI, 2001; RIBEIRO; YASSUDA; NERI, 2018; SELIGMAN, 2018 apud ONESKO, 2018).

Para não perder de vista o horizonte ético, leio Sêneca e Schopenhauer como terapeutas da existência. Ambos tratam a filosofia como consolação e técnica de vida, lembrando que uma vida feliz depende de discernimento, recusa de seguir a turba e treino de virtudes como remédio das paixões. Essa tradição inspira uma autocompaixão firme, capaz de proteger limites, orientar escolhas e traduzir sabedoria prática em conduta cotidiana, algo que se alinha à minha defesa de uma educação que forme caráter, autonomia e bons juízos além do desempenho técnico (BEZERRA, 2006).

Com esses pilares, sustento um método pessoal e replicável. Trato emoções como sinais, nomeio e dou espaço com atenção plena, escolho a estratégia regulatória de acordo com a etapa do processo, reavalio o sentido quando há distorção cognitiva e ajo quando a emoção aponta para um problema real. Em contextos de ensino, projeto experiências que convoquem afetos congruentes com o objetivo, ofereço feedback compassivo, pratico rotinas de reavaliação, cultivo forças e crio um “kit de emergência” emocional para momentos de estresse, sempre lembrando que o que se aprende é inseparável do que se sente. A ciência que reviso apoia essa síntese, desde a neurobiologia que liga pré-frontais e amígdala até os resultados comportamentais de intervenções que combinam autocompaixão, reestruturação e prática deliberada. O resultado é um caminho para transformar autocrítica em força interior, emoção em dado útil e aprendizagem em virtude, sem negar a dor e sem romantizar a vida, mas com método e coragem para avançar mesmo quando a estrada é estreita (NEFF; GERMER, 2019; LEAHY, 2020; LEMOS; CARVALHO, 2021; PINHEIRO, 2022; SILVA; CLEMENTE, 2023). 


Referências:
NEFF, Kristin; GERMER, Christopher. Manual de mindfulness e autocompaixão. Porto Alegre, Artmed, 2019. 

LEAHY, Robert L. Não acredite em tudo que você sente. Porto Alegre, Artmed, 2020.
LEMOS, Karine Geronimo de; CARVALHO, Ana Lúcia Novais de. A regulação emocional como mecanismo de mudança psicológica: aspectos conceituais e neurobiológicos. Ensaios, ISSN 2595-1300, p. 83-99.
PINHEIRO, Jeane Dias. A importância das emoções na aprendizagem: uma abordagem neuropsicológica. Research, Society and Development, v. 11, n. 7, e33411730125, 2022.
SILVA, A. G.; CLEMENTE, B. J. B. Ensino de e para felicidade em universidades brasileiras: reflexões com a educação positiva. Revista Eletrônica de Educação, v. 17, e4824027, 2023.
BEZERRA, C. I. Sêneca e Schopenhauer, a arte de ser feliz. Revista de Filosofia do D. A. UEC, v. 3, n. 5, 2006.