O Brasil entre o Potencial e a Crise de Confiança nas Instituições

O país combina avanços econômicos expressivos com um profundo desafio democrático de reconstruir a confiança nas suas instituições.

O Brasil entre o Potencial e a Crise de Confiança nas Instituições

O Brasil atravessa um momento em que os avanços e as contradições caminham lado a lado. Somos um país que, em poucas décadas, conquistou posição de destaque em setores estratégicos como o agronegócio, a biotecnologia e a produção energética. O caso do algodão, que nos coloca entre os maiores produtores e exportadores do mundo, é apenas um exemplo de uma capacidade de organização e inovação que deveria ser regra em outros setores. Mas, ao mesmo tempo, convivemos com uma profunda crise de confiança nas instituições políticas, marcada por polarização, descrédito e um sentimento difuso de que os processos decisórios acontecem longe do olhar e da vontade do povo. Esse paradoxo revela o quanto o Brasil precisa amadurecer democraticamente para que seu potencial econômico seja acompanhado de estabilidade institucional e ética pública.

A Constituição Federal de 1988 nasceu com a promessa de inaugurar uma nova era. Ela outorga poderes que não pertencem em essência a deputados, senadores, governadores, prefeitos, ministros ou presidentes da República, mas ao povo brasileiro, que os empresta temporariamente para que sejam exercidos em seu nome. Esse princípio deveria bastar para assegurar respeito, responsabilidade e equilíbrio, mas a prática tem demonstrado o contrário. Em vez de guardiões da Constituição, muitos que juraram defendê-la e cumpri-la se tornam, com o tempo, seus maiores violadores. Reformas pontuais reforçam prerrogativas pessoais, votações-relâmpago ampliam blindagens, decisões judiciais extrapolam competências do Legislativo e a população, cada vez mais, se sente alijada do processo. Essa distância entre o texto constitucional e a prática cotidiana corrói o pacto democrático e fragiliza o Estado de Direito.

O caso do ex-presidente Jair Bolsonaro simboliza não apenas a trajetória de um líder político, mas também a forma como as instituições lidam com adversários e apoiadores. O estado clínico dele expõe as marcas físicas de um caminho turbulento, com atentados, internações e cirurgias sucessivas, mas também revela uma dimensão política mais ampla, que envolve processos judiciais, condenações, multas e inelegibilidade. O debate sobre a imparcialidade e a seletividade das instituições ganhou força e se tornou um dos grandes desafios do país. Se a saúde de um líder desperta preocupação, a saúde das instituições deveria despertar ainda mais. Um Estado Democrático só se sustenta quando as leis valem para todos, quando juízes e tribunais atuam com independência e isenção e quando o Legislativo exerce plenamente seu papel fiscalizador e legislador sem sucumbir ao corporativismo e ao instinto de autoproteção.

O futuro do Brasil não será definido por uma única pessoa nem por decisões judiciais isoladas. Ele será construído pelo exercício cotidiano da cidadania. O voto é um instrumento poderoso, mas insuficiente se não vier acompanhado de vigilância, cobrança e participação ativa. É urgente resgatar a noção de serviço público como missão e não como privilégio. Ministros, parlamentares, magistrados e chefes do Executivo não são donos do poder, são depositários temporários de uma confiança coletiva que pode e deve ser revogada quando traída. A frase de Ulisses Guimarães, de que traidor da Constituição é traidor da pátria, continua atual e precisa deixar de ser apenas um enunciado para se tornar prática política e cultura cidadã.

O Brasil pode ser mais do que um gigante econômico em potencial. Pode ser uma democracia sólida, respeitada e exemplar. Para isso, precisamos de coerência no lugar de blindagens, responsabilidade no lugar de discursos, verdade no lugar de manipulação. A escolha continua sendo nossa e enquanto acreditarmos que o país é maior do que as crises que enfrenta, poderemos transformá-lo num lugar onde o poder é realmente do povo, exercido pelo povo e a favor do povo.