Entre a culpa e a redenção: o clipe de Rodolfo Abrantes como jornada íntima e coletiva
A nova canção de Rodolfo Abrantes expõe, em tom confessional, sua trajetória de arrependimento, fé e libertação, transformando dor e superação em arte inspiradora.
No novo trabalho de Rodolfo Abrantes, a poesia crua das palavras encontra uma narrativa visual que funciona como confissão e manifesto. Ex-líder de uma das bandas mais provocativas do rock brasileiro, Abrantes transforma sua experiência pessoal de excessos, fugas e reconciliação em arte. No clipe, a câmera acompanha o eu-lírico em um percurso de retorno marcado por vulnerabilidade e coragem, em que a música funciona como testemunho de um processo de cura.
Logo nos versos iniciais "Não tive forças pra ficar mas tive pra fugir / Eu sei que te cansei com tantos erros que cometi" instala-se um tom de arrependimento radical. O artista não apenas revisita o passado, mas expõe o desconforto consigo mesmo. Esse reconhecimento da própria falha não é apresentado como derrota, mas como ponto de partida para uma mudança real. A letra dá forma a um dilema universal: todos somos, em algum momento, confrontados com nossa incapacidade de permanecer onde deveríamos e com a necessidade de voltar ao essencial.
O refrão "Eu tive raiva de mim / Sempre achei que era melhor / Tira essa raiva de mim / Eu não consigo só / E então eu voarei pra casa" funciona como eixo emocional. É súplica e entrega, em que a metáfora do voo para casa traduz tanto o retorno à fé como um reencontro com a própria identidade. No vídeo, a representação desse voo pode aparecer em imagens de horizontes abertos, paisagens sem cercas ou no gesto de caminhar descalço, sinalizando libertação e vulnerabilidade.
A segunda estrofe reforça o tom introspectivo: "O que tira a minha paz não é a falta do que eu gosto / Mas a existência do que eu detesto". Aqui, Abrantes toca em um ponto raro na música popular: a percepção de que a paz não depende apenas de desejos satisfeitos, mas da capacidade de lidar com aquilo que nos desagrada. Essa visão madura reverbera no clipe por meio de cores contrastantes e cenas de luz e sombra, reforçando a luta interna entre velho e novo, prazer e repulsa, silêncio e grito.
Quando o eu-lírico finalmente declara "Pra casa onde eu simplesmente sou / E não tem cerca no horizonte" o sentido de lar ganha dimensão transcendental. Não se trata apenas de um endereço físico, mas de um estado de espírito, uma reconciliação com o Criador ou com a essência do ser. O clipe amplifica essa ideia ao apresentar um espaço sem fronteiras, onde não há porque correr ou se esconder. É nesse cenário que o personagem se permite "cantar bem alto e tocar o céu com um salto", um gesto que simboliza superação e liberdade conquistadas.
Por fim, o verso "O caminho da vida ainda me ensina / Que a leveza no passo só tem quem não tem do que se envergonhar" sintetiza a mensagem do trabalho. É um convite à autenticidade, ao arrependimento e ao perdão, não como peso moral, mas como caminho para uma existência mais leve. No contexto atual, em que artistas e público vivem expostos a julgamentos e rótulos, Abrantes entrega uma obra que fala tanto de espiritualidade quanto de humanidade.
O resultado é um clipe que transcende o gênero musical e se estabelece como uma poderosa expressão da trajetória de Rodolfo Abrantes, refletindo sua transformação pessoal e seu compromisso em traduzir em arte a experiência da fé, do arrependimento e da liberdade.