O cérebro que sente, reage e lembra: o papel do sistema límbico nas emoções, na memória e nos transtornos neurológicos
O sistema límbico integra emoção, memória e comportamento, sendo crucial para a compreensão de transtornos neurológicos e psiquiátricos.

Ao longo da história das neurociências, poucos conjuntos de estruturas cerebrais despertaram tanto interesse quanto o sistema límbico - uma rede complexa, funcional e anatomicamente interligada, que representa o coração emocional e motivacional do cérebro humano. Este sistema não apenas nos permite sentir e reagir, mas também memorizar, sonhar, amar, temer e, em alguns casos, adoecer.
Composto por estruturas como o hipocampo, a amígdala, o hipotálamo, o tálamo, o giro cingulado, o córtex entorrinal, entre outras, o sistema límbico se revela como um verdadeiro "elo de ligação" entre a razão e a emoção. Ele integra o passado (memória) com o presente (experiência emocional) e influencia diretamente nossas respostas ao ambiente.
Segundo Bear et al. (2017), embora não haja consenso absoluto sobre a lista exata de estruturas que o compõem, o sistema límbico é reconhecido por sua função no controle emocional, na motivação, na autopreservação e até mesmo na regulação endócrina e autonômica - essenciais à sobrevivência.
Hipocampo: guardião da memória
O hipocampo, estrutura em forma de cavalo-marinho situada nos lobos temporais, é reconhecido como o principal centro de armazenamento da memória declarativa de longo prazo. Danos nessa região podem resultar em perdas severas de memória, como observado na síndrome de Korsakoff, frequentemente associada ao alcoolismo crônico e à deficiência de tiamina (FERNANDES, 2013).
Em contextos como a epilepsia do lobo temporal, o hipocampo é frequentemente o epicentro das descargas elétricas anormais. A esclerose hipocampal, evidenciada em estudos de pacientes e modelos experimentais (TAVARES, 2006), indica a vulnerabilidade de áreas como o setor CA1, conhecido como setor de Sommer, especialmente em casos de hipóxia.
Amígdala: a sentinela emocional
Responsável pelo processamento e interpretação das emoções, especialmente o medo, a amígdala atua em estreita colaboração com o hipotálamo e o córtex pré-frontal. Em situações de perigo, é ela quem dispara o alarme, ativando o sistema nervoso simpático para preparar o corpo para a "luta ou fuga". A sua hiperatividade tem sido associada a transtornos como a ansiedade, TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático) e depressão (SILVANA, 2018).
Além disso, a amígdala integra o circuito da recompensa e está implicada na recaída de dependentes químicos, demonstrando seu papel na motivação e no comportamento compulsivo.
O córtex pré-frontal: a ponte com a razão
Embora não faça parte estrutural do sistema límbico, o córtex pré-frontal é uma peça-chave no controle emocional. Ele se comunica intensamente com a amígdala e o tálamo, auxiliando na tomada de decisões, no autocontrole e na regulação dos impulsos. Jotz et al. (2017) destacam que lesões nessa região podem levar à perda da concentração, irresponsabilidade social e dificuldades em estabelecer metas, sintomas comumente observados em quadros de depressão e TDAH.
Sono, sonhos e emoções
Durante o sono REM - fase na qual ocorrem os sonhos mais intensos e vívidos -, o sistema límbico atinge altos níveis de atividade, revelando sua profunda conexão com os processos emocionais e cognitivos que se manifestam durante o repouso. Estruturas como o núcleo pré-óptico ventrolateral (VLPO) e o núcleo supraquiasmático, ambos localizados no hipotálamo, atuam como reguladores centrais do ciclo sono-vigília. Esses núcleos utilizam neurotransmissores inibitórios como o GABA e a galanina para desacelerar os sistemas de excitação cerebral, promovendo a entrada no sono profundo e garantindo a transição adequada entre os estados de vigília e repouso (GOMES et al., 2010).
Esse sofisticado mecanismo é frequentemente descrito como um “circuito flip-flop”, que impede estados intermediários e instáveis, funcionando como um verdadeiro interruptor neurológico. Ao controlar a ativação e a inibição de diversas regiões do cérebro, esse sistema não só garante a qualidade do sono, mas também contribui para a consolidação da memória e o processamento emocional dos eventos vivenciados durante o dia. A intensa participação do sistema límbico nesse processo reforça a ideia de que o sono não é apenas um estado de repouso físico, mas um componente essencial da saúde mental e emocional.
Transtornos mentais: quando o sistema límbico entra em colapso
Vários distúrbios neurológicos e psiquiátricos têm suas raízes em disfunções límbicas. Na esquizofrenia, há evidências de redução do volume hipocampal e alterações nos circuitos do cíngulo e tálamo (GIRALDI; CAMPOLIM, 2014). Em transtornos afetivos, a atividade anormal no córtex pré-frontal esquerdo e a hiperatividade da amígdala indicam um desequilíbrio na regulação emocional.
No caso do TDAH, descrito como um transtorno biopsicossocial, estudos apontam para alterações na região frontal e em conexões entre a amígdala e o córtex orbitofrontal, o que contribui para sintomas como impulsividade e déficit de atenção (RAFALOVICH, 2002).
Entre instinto e razão: o cérebro triuno
A teoria do cérebro triuno, desenvolvida pelo neurocientista Paul MacLean, propõe uma compreensão evolutiva fascinante da mente humana. Segundo essa teoria, o cérebro é formado por três grandes sistemas sobrepostos ao longo da evolução: o complexo reptiliano, responsável pelos instintos básicos de sobrevivência como agressividade, territorialidade e reprodução; o sistema límbico, que regula as emoções, motivações e memórias afetivas; e o neocórtex, estrutura mais recente e sofisticada, encarregada do pensamento lógico, linguagem, autocontrole e planejamento.
Essa organização em "camadas cerebrais" revela como nossos comportamentos são constantemente influenciados por forças primitivas e emocionais, mesmo quando tentamos agir de maneira racional. Em situações de estresse, por exemplo, o sistema límbico pode assumir o controle, provocando reações automáticas, muitas vezes em desacordo com a lógica e a razão. Isso explica por que muitas decisões humanas são carregadas de ambivalência, marcadas por uma tensão entre o impulso e a reflexão, entre o desejo e o dever.
A proposta de MacLean não apenas enriquece a compreensão neurobiológica do comportamento humano, mas também serve como uma metáfora poderosa para os dilemas modernos. Em um mundo onde decisões rápidas e respostas emocionais são constantemente exigidas, compreender o funcionamento integrado - e às vezes conflituoso - entre esses três sistemas pode nos ajudar a cultivar maior autoconsciência, inteligência emocional e equilíbrio nas relações sociais e profissionais.
Referências
BEAR, M. F.; CONNORS, B. W; PARADISO, M. A. Neurociências - Desvendando o Sistema Nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
FERNANDES, M. J. S. Epilepsia do lobo temporal: mecanismos e perspectivas. Estudos Avançados. v. 27, n. 77, São Paulo: 2013.
GIRALDI, A.; CAMPOLIM, S. Novas abordagens para esquizofrenia. Cienc. Cult. [online]. São Paulo, v. 66, n. 2, pp. 6-8, 2014.
GOMES, M. M.; QUINHONES, M. S.; ENGELHARDT, E. Neurofisiologia do sono e aspectos farmacoterapêuticos dos seus transtornos. Revista Brasileira de Neurologia. v. 46, 2010.
JOTZ, G. P. et al. Neuroanatomia Clínica e Funcional. Rio de Janeiro: Elsevir, 2017.
MACHADO, A. B. M.; HAERTEL, L. M. Neuroanatomia Funcional. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 2014.
MOREIRA, R. G. M. Epilepsia: concepção histórica, aspectos conceituais, diagnóstico e tratamento. Mental, Barbacena, ano II, n. 3, p. 107-22, 2004.
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SILVANA, S. Cientistas descrevem circuito cerebral ligado ao estresse pós-traumático. TV USP, 2018.
TAVARES, A. L. A. P. Padrões de descarga neuronal na região de CA1 do hipocampo de pacientes com epilepsia do lobo temporal e de ratos com epilepsia induzida pela Pilocarpina: um estudo comparativo. Tese de doutorado. UFRGS. Porto Alegre (RS), 2006.