Sigilo seletivo expõe fragilidade da Justiça e ameaça o Estado de Direito
Vazamentos contra Bolsonaro e silêncio sobre Adélio revelam uso político do processo judicial e afronta à Constituição.

O dia 21 de agosto carrega na memória da história a lembrança de que regimes autoritários, sejam de esquerda ou de direita, sempre trataram a divergência como crime. Trotsky foi assassinado em 1940 a mando de Stálin, não por ser um inimigo externo, mas porque ousou discordar. Em 1968, os tanques soviéticos esmagaram a Primavera de Praga, silenciando um povo que clamava por liberdade. No Brasil, a Intentona Comunista de 1935 e as insurreições que se seguiram tiveram o mesmo DNA: não havia espaço para pluralidade, apenas para a imposição da força. A lição é evidente: quando se criminaliza a divergência, abre-se a porta para o arbítrio.
É exatamente isso que se vê hoje. O artigo 5º, inciso XII, da Constituição é taxativo: o sigilo das comunicações é inviolável, só podendo ser quebrado por ordem judicial e estritamente para fins investigativos. Mas o que temos assistido é o uso político de vazamentos seletivos, transformando conversas privadas em espetáculo de manchetes. Jair Bolsonaro teve diálogos pessoais expostos, familiares e políticos, como se o simples ato de conversar fosse crime. Silas Malafaia teve até cadernos de anotações religiosas apreendidos, numa afronta direta à liberdade de consciência e de crença, igualmente asseguradas pela Constituição. Isso não é devido processo legal, isso é intimidação.
E aqui reside a contradição mais gritante: o caso de Adélio Bispo. Seu celular foi apreendido em 2018, mas até hoje não houve um único vazamento de seu conteúdo. Nenhum detalhe exposto. Nenhuma linha publicada. Um silêncio absoluto. Por que razão o sigilo de Adélio é blindado com rigor e o de Bolsonaro é violado e entregue em tempo real à imprensa? Essa seletividade não é justiça, é perseguição. É a demonstração clara de que a lei não está sendo aplicada de forma igualitária, mas usada como instrumento político.
A cada vazamento, a cada manchete fabricada a partir de conversas privadas, o que se fortalece não é a justiça, mas a narrativa de uma caça às bruxas. Acusações genéricas de “obstrução de investigação” sem prova material são apenas justificativas frágeis para atropelar garantias constitucionais. O que se vê não é investigação, é espetáculo. Não é direito, é política travestida de processo judicial.
A história já mostrou aonde esse caminho leva. Quando a justiça se deixa guiar pelo fígado, pela conveniência ou pela vingança, o resultado nunca é a verdade, mas o autoritarismo. E é exatamente isso que precisa ser denunciado. Não se trata de defender pessoas, mas de defender princípios. A Constituição não pode ser seletiva. Se o sigilo de uns é protegido e o de outros exposto, não vivemos sob o império da lei, mas sob o arbítrio. E quando isso acontece, a democracia deixa de ser um pacto de direitos para se tornar apenas um palco de poder.