Transformação Digital e Cultura Organizacional: Estudo Revela Desafios em Empresas Brasileiras

Um estudo publicado na revista P2P & Inovação aponta como a cultura organizacional pode impulsionar ou frear a transformação digital nas empresas. A pesquisa destaca casos do setor segurador no Brasil.

Transformação Digital e Cultura Organizacional: Estudo Revela Desafios em Empresas Brasileiras

A transformação digital tem se consolidado como um dos principais desafios para as organizações contemporâneas, especialmente em setores altamente competitivos como o de seguros. Um estudo recente publicado na revista P2P & Inovação (v.10, n.2, 2024) trouxe à tona uma análise aprofundada sobre como a cultura organizacional influencia diretamente o sucesso ou fracasso desse processo. Realizado por Anne Alcantara, Athos Silva e Reed Nelson, o trabalho investigou uma empresa brasileira do setor segurador, explorando as complexas interações entre valores culturais e a adoção de novas tecnologias.

A pesquisa, conduzida por meio de uma abordagem metodológica mista, utilizou entrevistas semiestruturadas e questionários quantitativos para mapear as percepções dos funcionários e analisar as dinâmicas culturais dentro da organização. Os dados revelaram um cenário de tensões internas, no qual os esforços para impulsionar a transformação digital convivem com características de gestão centralizada e resistências estruturais, típicas de empresas familiares. Apesar de contar com iniciativas promissoras, como a contratação de um Gerente de Transformação Digital e a adoção de metodologias ágeis, a organização enfrenta desafios para alinhar a cultura vigente com as demandas de inovação e flexibilidade impostas pela digitalização.

A pesquisa destaca que a transformação digital vai além da simples implementação de novas ferramentas tecnológicas. Ela exige uma reconfiguração profunda da cultura organizacional, incluindo a promoção de ambientes colaborativos e o incentivo à experimentação. No caso analisado, a empresa, embora tenha adotado práticas como a criação de um laboratório de inovação e a formação de equipes multifuncionais para disseminar conceitos de agilidade, ainda apresenta discrepâncias significativas entre a "cultura real" percebida pelos funcionários e a "cultura ideal" almejada por eles. Essa dissonância se reflete em insatisfações relacionadas ao estilo de liderança, que, apesar de apresentar traços de abertura ao diálogo, ainda carrega resquícios de uma gestão hierárquica e, por vezes, coercitiva.

A escolha de uma empresa do setor de seguros como objeto de estudo reforça a relevância do tema. O mercado segurador brasileiro, além de ocupar uma posição de destaque na América Latina, é pressionado por mudanças tecnológicas e pela necessidade de atender a clientes cada vez mais exigentes. Tecnologias como blockchain e inteligência artificial estão redesenhando as dinâmicas do setor, exigindo que as organizações repensem seus modelos operacionais e estratégicos. No entanto, conforme apontam os autores do estudo, o sucesso dessas inovações depende fundamentalmente de um alinhamento cultural que permita sua integração de maneira eficiente e sustentável.

Outro aspecto relevante identificado no estudo é o impacto das lideranças no processo de transformação digital. A figura de um Chief Digital Officer (CDO), ou equivalente, é destacada como fundamental para mediar as áreas de tecnologia e negócios, garantindo que as ações sejam executadas de maneira integrada e estratégica. No caso da empresa analisada, a contratação de um gestor especializado foi um marco importante, mas não suficiente para superar as barreiras culturais existentes. A pesquisa evidencia que, enquanto a tecnologia representa o componente técnico da transformação, a cultura organizacional é o elemento humano que define sua viabilidade a longo prazo.

Os resultados obtidos reforçam a ideia de que a transformação digital não pode ser tratada como um projeto isolado, mas como um processo contínuo de aprendizado e adaptação. A compatibilidade entre os valores individuais dos funcionários e os valores organizacionais se mostrou um fator crucial para reduzir resistências e aumentar a eficácia das iniciativas. No entanto, os dados também apontam para a necessidade de ajustes estruturais e comportamentais que promovam maior flexibilidade, descentralização das decisões e incentivo à criatividade.

Ao concluir sua análise, os autores sugerem que estudos futuros acompanhem os impactos das ações implementadas na organização em questão, avaliando resultados concretos como aumento da eficiência operacional, melhoria na experiência do cliente e avanço na percepção de inovação. A pesquisa, além de contribuir para o debate acadêmico sobre o tema, oferece insights práticos para gestores e líderes empresariais que buscam conduzir suas organizações por caminhos sustentáveis de transformação digital, enfatizando que, no cerne desse processo, está sempre a necessidade de entender e transformar as pessoas que compõem a organização.

Referência:
ALCANTARA, Anne; SILVA, Athos; NELSON, Reed. Influência da cultura organizacional na transformação digital: um estudo de caso misto. P2P & Inovação, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 1-18, e-6688, jan./jun. 2024.