De Canudos à Lei Magnitsky: conflitos históricos, tensões internacionais e os ciclos da história brasileira
Um olhar sobre como episódios de repressão interna, sanções externas e disputas globais refletem os ciclos de poder, justiça e soberania do Brasil.

Em 22 de setembro de 1897, Antônio Conselheiro morreu no sertão baiano durante a última ofensiva contra Canudos, um movimento messiânico que desafiou a recém-proclamada República e se tornou símbolo da tensão entre o poder central e a resistência popular. O exército, que já havia sofrido a derrota da expedição do coronel Moreira César, conhecido pela repressão sangrenta à Revolução Federalista em Santa Catarina, retornou ao arraial com força avassaladora. O massacre final, narrado por Euclides da Cunha no clássico "Os Sertões", cristalizou na literatura brasileira a imagem de um país marcado por desigualdade social, fervor religioso e repressão estatal. Décadas depois, a Guerra do Contestado repetiria no planalto sul-brasileiro um enredo semelhante: beatos como José Maria liderando camponeses contra expropriações e ferrovias, milhares de mortos e tropas federais reprimindo uma fé que se misturava à resistência política. No Morro do Ferrabraz, no Rio Grande do Sul, movimentos protestantes também conheceram a mão pesada do Estado, confirmando que a violência oficial contra movimentos religiosos e sociais não era exceção, mas um padrão histórico.
Esse histórico de conflitos internos contrasta com a simbologia do equinócio de setembro, quando o sol fica perpendicular ao Equador e marca a chegada da primavera no hemisfério sul, remetendo a ciclos, renovações e promessas de equilíbrio. Em 2016, no mesmo 22 de setembro, a prisão do ex-ministro Guido Mantega no contexto da Operação Lava Jato, posteriormente anulada pela revisão judicial, mostrou outro tipo de conflito. Desta vez não nas caatingas ou nos planaltos, mas nos tribunais e na opinião pública, onde acusações, condenações e descondenações revelam um sistema político e jurídico em permanente disputa sobre legitimidade, provas e poder.
Atualmente, tensões inéditas envolvem autoridades brasileiras no exterior. A aplicação da Lei Magnitsky, legislação aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos para sancionar pessoas envolvidas em corrupção ou violações de direitos humanos, atingiu diretamente o ministro Alexandre de Moraes, sua esposa Viviane, seus filhos e a holding familiar Lex, bloqueando contas e bens ligados a sistemas financeiros sob jurisdição americana. Essa sanção extraterritorial, que impede inclusive o uso de cartões de crédito e vínculos bancários com instituições sediadas ou operantes nos Estados Unidos, levanta um debate delicado sobre soberania, direito internacional e os limites do poder econômico global. Moraes classificou a medida como ilegal e ofensiva ao direito internacional, reivindicando em nome dos magistrados brasileiros a recusa a coações externas.
Paralelamente, acusações de coação apresentadas pelo procurador-geral da República contra Paulo Figueiredo e Eduardo Bolsonaro, supostamente articuladores de sanções, reacendem a polarização interna, enquanto lideranças políticas defendem uma anistia ampla, geral e irrestrita como saída para um impasse cada vez mais judicializado. Essa combinação de pressões externas e internas reforça a sensação de que as instituições brasileiras estão no centro de uma disputa não apenas nacional, mas também transnacional, envolvendo diferentes visões sobre democracia, soberania e direitos fundamentais.
No cenário internacional, a retórica também se acirra. Na tribuna da ONU, o presidente Lula discursou em defesa dos palestinos e classificou a situação em Gaza como genocídio, imputando a Israel a tentativa de aniquilar o sonho nacional palestino. O pronunciamento, porém, omitiu a complexidade histórica do conflito, desde a partilha da ONU presidida pelo brasileiro Osvaldo Aranha que previu a criação de dois Estados até os acordos de Oslo, e ignorou o impacto dos ataques do Hamas, que minaram compromissos anteriores e alimentaram um ciclo de violência difícil de romper. Entre Canudos e Gaza, entre Contestado e Magnitsky, entre os equinócios da natureza e os invernos políticos, o Brasil e o mundo caminham sobre linhas de tensão onde soberania, justiça e direitos humanos se entrelaçam, e onde as estações da história nem sempre coincidem com as estações do calendário.