Após o Dia do Advogado, um chamado à normalidade constitucional
Em 12 de agosto, defendo a primazia do Parlamento, a contenção do STF e a proporcionalidade nas penas do 8 de janeiro, reafirmando devido processo e Constituição como limite ao poder.

Ontem, segunda-feira, 11 de agosto, celebramos o Dia do Advogado. Hoje é terça-feira, 12 de agosto, e escrevo tomado pela mesma mistura de vocação e cansaço: a paixão pela justiça que me move e a exaustão diante dos desvios que corroem nossa Constituição. A data de ontem não é um capricho do calendário. Ela remete à criação dos primeiros cursos de Direito no Brasil, em 1827, lembrando que nossa profissão existe para servir ao Estado de Direito e às liberdades públicas, não para aplaudir protagonismos de ocasião.
O fio condutor da minha inquietação é simples e inadiável: a Constituição não é um enfeite. Ela é comando. Está no parágrafo único do art. 1º que todo poder emana do povo e se exerce por representantes eleitos ou diretamente. Está no art. 2º que os Poderes da União são independentes e harmônicos. Está no art. 102 que cabe ao Supremo Tribunal Federal a guarda da Constituição, não a sua reinvenção conforme o clima do dia. E está no art. 5º que ninguém será privado da liberdade sem o devido processo legal, com juiz natural, contraditório, ampla defesa e presunção de inocência. É com esse roteiro que leio cada fato político e judicial que atravessa o país.
Dois eixos recentes condensam a encruzilhada brasileira. O primeiro é interno e diz respeito às condenações dos réus de 8 de janeiro. Reconheço a gravidade do que ocorreu naquele domingo e a necessidade de responsabilização. Mas reafirmo que o remédio constitucional não pode matar o paciente. Proporcionalidade, individualização da pena e tipicidade estrita não são gentilezas acadêmicas. São travas contra o punitivismo de exceção. As decisões precisam distinguir autoria, participação e condutas de multidão, evitando colar o mesmo rótulo de golpista a quem depredou patrimônio e a quem apenas seguiu a manada. Sem essa depuração, abandona-se a individualização e se cai no terreno da responsabilidade coletiva, incompatível com as garantias fundamentais.
O segundo eixo é externo e ajuda a explicar a escalada de tensões institucionais. Tarifas, sanções e gestos diplomáticos não são folclore. São instrumentos de poder que moldam a economia real e pressionam democracias. A lição que tiro é a mesma: o melhor escudo do Brasil continua sendo a previsibilidade institucional e a fidelidade à Constituição, que blindam nossa política de Estado de solavancos ideológicos, aqui e lá fora.
Também me inquieta a persistência de um contencioso que, desde 2019, não sai do centro do palco: o chamado inquérito das fake news. Ele nasceu por ato da própria Corte e, por isso mesmo, carrega críticas seríssimas, porque embaralha papéis de vítima, investigador, acusador e julgador. Minha posição é clara e fundada na dogmática processual: num sistema acusatório, a persecução penal é do Ministério Público e da polícia, sob controle judicial, não do juiz. Quando o julgador assume etapas antecedentes, a aparência de imparcialidade se esgarça. Sem imparcialidade, não há devido processo.
Nesse ambiente, declarações públicas de autoridades judiciais ganham peso político e exigem serenidade redobrada. Fala-se em "ascensão institucional" do Judiciário e em seu papel "político" na vida nacional. De outro lado, também se reconhece que, em um Estado democrático, a instância maior é o Parlamento e que questões políticas devem ser decididas na arena política. Não se trata de colecionar frases. Trata-se de tomar compromissos públicos como compromissos institucionais. Se todo poder emana do povo, o Parlamento é o primeiro destinatário dessa emanação, e à Justiça cabe dizer o direito nos limites da Constituição.
Como jornalista e operador do Direito, me recuso a normalizar atalhos processuais em nome de fins supostamente nobres. Justiça não é sinônimo de vingança. É por isso que insisto em fundamentos que parecem óbvios e, no entanto, têm sido relativizados: juiz natural, contraditório efetivo, presunção de inocência, motivação idônea das decisões, proporcionalidade das penas e deferência à esfera política quando se debatem escolhas de governo e de política pública. São garantias de todos, inclusive de quem nos desagrada. É exatamente quando a maré política é desfavorável a parte dos réus que mais precisamos das amarras constitucionais.
Não escrevo para aplaudir culpados nem para absolver inocentes no grito. Escrevo porque, no dia seguinte ao Dia do Advogado, a melhor homenagem que posso prestar à minha profissão é reafirmar o óbvio que anda esquecido: a Constituição é o freio de arrumação do poder e o abrigo do cidadão comum. Quando o Supremo se contém nos trilhos da guarda da Carta e quando o Parlamento assume a primazia das escolhas políticas, o Brasil fica maior por dentro. Quando a acusação acusa, a defesa defende e o juiz julga com distância e sobriedade, o país fica mais seguro, inclusive para punir com justiça quem precisa ser punido.
Há quem diga que tempos turbulentos exigem respostas excepcionais. A história ensina o contrário. É nos tempos turbulentos que a normalidade constitucional precisa ser mais teimosa do que nunca. Hoje, 12 de agosto, eu renovo meu voto profissional e cívico: não abrir mão da Constituição, nem quando for difícil, nem quando for impopular. Isso não é comodismo. É coragem republicana.