O 7 de Setembro e a Crise da Democracia Brasileira

O desfile da independência revelou um país em que o Supremo se afasta de sua função constitucional e o povo segue como espectador de sua própria soberania.

O 7 de Setembro e a Crise da Democracia Brasileira

Ontem celebramos o 7 de setembro, uma data que deveria simbolizar a soberania e a independência do Brasil, mas que nos coloca diante de um paradoxo doloroso. Enquanto repetimos rituais oficiais e assistimos aos desfiles, a realidade mostra que nossas instituições parecem cada vez mais distantes do espírito democrático que a Constituição de 1988 prometeu preservar. A independência não está apenas na história que se aprende nos livros ou no quadro imortalizado de Pedro Américo; ela deveria estar no exercício cotidiano da cidadania e no respeito às regras constitucionais que garantem liberdade e equilíbrio entre os poderes.

No entanto, o que vimos foi um desfile esvaziado, câmeras sempre fechadas, sem mostrar a Esplanada em sua totalidade, e um palanque oficial marcado pela ausência completa dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Nenhum deles esteve presente, como se o próprio Poder Judiciário tivesse se afastado da solenidade maior da República. Isso não é um detalhe. A ausência dos ministros expôs de forma simbólica a ruptura de confiança entre instituições que deveriam se complementar. Já no Eixo Monumental, ao lado da Torre de TV, milhares de cidadãos protestaram pedindo anistia, denunciando injustiças e clamando contra julgamentos que muitos consideram mais teatro político do que aplicação da lei. Lá, as vozes não foram de autoridades de toga ou de microfone, mas de famílias que se sentem atingidas por processos sem a devida individualização, sem ampla defesa e sem recurso.

Essa contradição revela o quanto o Supremo ultrapassou sua função de guardião da Constituição e se colocou no centro da cena como tribunal político. O inquérito das fake news é o maior exemplo dessa distorção: instaurado sem o Ministério Público, conduzido por relator escolhido sem sorteio, transformou-se num instrumento que concentra acusações, julgamentos e sentenças. É a exceção elevada à regra, em afronta direta ao devido processo legal. Mais grave do que isso é o silêncio das instituições. O Congresso, que deveria ser a caixa de ressonância da vontade popular, se cala. A imprensa, em parte, prefere relativizar. E o povo, anestesiado, resigna-se a assistir à própria cidadania ser corroída.

No mesmo dia, o editorial de um dos principais jornais do país trouxe a perigosa tese de que "encerrado o julgamento dos golpistas, não haverá mais desculpas para que o STF conserve poderes excepcionais". Isso significa aceitar que tais poderes, ilegais e inconstitucionais, poderiam ser tolerados temporariamente. Mas não há poderes temporariamente ilegítimos. Se não nasceram do voto popular, se não foram outorgados pelo Congresso, são abusos, e nada mais. O Supremo não é soberano, é guardião. O artigo 102 da Constituição é explícito: cabe-lhe interpretar e guardar, não reinventar e rescrever.

O que mais preocupa é que esse processo mina a própria essência da democracia. Quando se aceita que um tribunal antecipe julgamentos, como já ocorreu em falas públicas de ministros que proclamaram "varrer o extremismo da história", o país naturaliza o que em qualquer democracia madura seria motivo de escândalo. No Brasil, transforma-se em normalidade. Isso é perigoso, porque corrói a confiança no sistema e abre caminho para um futuro onde a vontade de poucos se sobrepõe à soberania popular.

A independência celebrada ontem deveria nos lembrar que o poder emana do povo. Mas o que se viu foi um país dividido entre cerimônias oficiais controladas e manifestações populares marginalizadas. Enquanto isso, líderes políticos jogam com cálculos de conveniência, uns apostando na condenação, outros no desgaste do adversário, e poucos preocupados em resgatar a Constituição como fundamento de equilíbrio e justiça. O Brasil não precisa de tribunais políticos nem de poderes excepcionais; precisa de instituições fiéis à lei e de um povo que não aceite ser espectador da sua própria história. Se a independência tem algum sentido, é o de reafirmar que o verdadeiro dono da bola continua sendo o povo brasileiro.