O Ego no Altar: Por que o Evangelho Centrado em Si Mesmo Não Salva
A fé genuína só faz sentido quando o ego é crucificado e Cristo ocupa o centro de tudo.

O maior desafio da fé cristã contemporânea não está na perseguição externa, mas na distorção interna do Evangelho que, aos poucos, vai sendo contaminado pelo ego humano. Tenho refletido com peso e responsabilidade sobre como nossa geração, talvez mais do que nunca, precisa ser alertada para o risco de trocar a cruz de Cristo pelo altar do próprio eu. O verdadeiro Evangelho jamais coloca o ser humano no centro; ele é, desde o princípio, a boa notícia da reconciliação do homem com Deus através do sacrifício de Jesus. Ele não nasceu para atender vontades, mas para transformar corações e propósitos, para inverter a lógica do “eu mereço” e nos conduzir ao “eu me arrependo”.
Ao longo da minha caminhada, tanto no convívio familiar quanto na vida ministerial, pude perceber que nada do que somos ou conquistamos encontra valor se o centro da nossa existência não for Cristo. Recebemos da parte de Deus um lugar de honra e filiação, herdamos promessas e temos acesso à presença d’Ele, mas é um erro trágico invertermos a ordem das coisas e permitir que as dádivas tomem o lugar do Doador. O perigo do chamado “egogélio” é exatamente esse: um evangelho sem cruz, sem renúncia, sem arrependimento, que massageia a autoestima, mas nunca leva à transformação genuína. É uma espiritualidade confortável, moldada para o consumo, para o reconhecimento público, para alimentar necessidades emocionais, mas incapaz de confrontar o pecado ou gerar santidade.
Jesus foi direto: “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. Seguir Jesus não é uma jornada de exaltação pessoal, mas de morte do eu. Isso significa abrir mão dos próprios sonhos, vontades e planos para abraçar, muitas vezes com lágrimas e dor, a vontade superior de Deus. Não é um convite à mediocridade, mas ao propósito mais alto: viver para a glória d’Ele. A cruz é símbolo de morte, mas também é o início de toda nova vida. No Reino de Deus, só frutifica quem morre para si. O que o mundo enxerga como perda, na verdade, é ganho eterno.
Vejo um perigo sutil se espalhando entre líderes, igrejas e comunidades: a ideia de que o reconhecimento humano, a influência, o tamanho de um ministério ou o número de seguidores são indícios de aprovação divina. Nada poderia ser mais enganoso. O Senhor não busca estrelas, busca servos. A grandeza da obra jamais pode superar a pureza do altar. Deus não mede nosso valor por performance, números ou visibilidade, mas pelo quanto do nosso coração permanece quebrantado, pelo quanto estamos dispostos a ser moldados mesmo quando ninguém nos aplaude. O orgulho espiritual é talvez o pior tipo de orgulho, pois se veste de santidade enquanto esconde um ego inflado. É a armadilha do religioso que pensa servir a Deus, mas, na verdade, serve a si mesmo.
Um evangelho que não confronta o pecado, que não chama à santidade, não é o Evangelho de Cristo. A Palavra não negocia valores nem ameniza a verdade. Mentira, fofoca, pornografia, sensualidade, desonestidade, vaidade, idolatria, tudo isso precisa ser chamado pelo nome. O evangelho do ego anestesia consciências e normaliza desvios, mas o Evangelho genuíno denuncia o erro, expõe a ferida e oferece cura por meio do arrependimento e do poder restaurador de Deus. Não existe transformação sem confronto, não há santidade sem quebrantamento. O chamado de Jesus é para um novo nascimento, não para uma maquiagem espiritual.
Outro efeito colateral do egocentrismo na fé é a formação de seguidores consumidores, não de discípulos. As pessoas buscam Deus pelo que podem receber, pelo que podem conquistar, pela resolução de seus problemas, e não pela entrega, pelo serviço ou pelo simples desejo de conhecer e agradar ao Senhor. Mas o discípulo de verdade permanece mesmo quando não entende, mesmo quando não recebe o que esperava, mesmo quando tudo é silêncio. O relacionamento com Deus não pode ser pautado por conveniências, mas por fidelidade. Somos chamados a servir, a dar, a doar a própria vida, e não apenas a consumir os benefícios do Evangelho.
No fim das contas, toda a caminhada cristã se resume a manter Jesus no centro. Não há vida abundante onde o ego reina. O verdadeiro Evangelho salva, restaura, liberta e desafia. Ele exige entrega, sacrifício, humildade e uma disposição diária de morrer para si mesmo. Nada do que fazemos, seja na igreja, no ministério, na família ou no trabalho, tem valor eterno se Jesus não estiver no centro. Se quisermos ver frutos, multiplicação, transformação real, precisamos antes morrer para nós mesmos. O grão de trigo só multiplica depois que morre. Não há outra estrada para quem deseja seguir Jesus: a cruz é o único caminho. Que o Senhor nos encontre fiéis, humildes e apaixonados por Sua vontade, ainda que isso custe tudo o que somos e temos. Que o Evangelho nunca seja uma ferramenta para satisfação do nosso ego, mas sempre o chamado supremo à total rendição a Cristo.