Entre memória, soberania e justiça: lições do 11 de setembro e do julgamento no STF
Reflexão sobre os 24 anos do 11 de setembro, o legado de Juscelino Kubitschek e os desafios atuais do Supremo Tribunal Federal em conciliar soberania, devido processo legal e discursos de ódio.
Não há como escapar das memórias que este período carrega. Já se passaram 24 anos desde que os atentados terroristas de 2001 mudaram para sempre a percepção mundial sobre segurança, soberania e a própria natureza da guerra. Lembro-me bem de como fui surpreendido em Belo Horizonte, enquanto trabalhava no Conselho Regional de Minas Gerais. Acompanhei pelos noticiários, atônito, as imagens dos aviões atingindo as Torres Gêmeas. De início, parecia irreal, algo impossível de acontecer. Em poucos minutos, ficou claro que não era um acontecimento isolado: estava começando um novo tipo de guerra. Não era mais um conflito convencional, mas uma ação de pequenos grupos capazes de aterrorizar nações inteiras, usando métodos assimétricos e fanatismo para desafiar potências globais. Essa memória ainda reverbera porque representou um choque coletivo para o mundo, um evento que transformaria a política internacional e a forma como encaramos a segurança.
Também neste mês, lembramos Juscelino Kubitschek, mineiro de Diamantina, cujo aniversário coincide com a data da criação da Capitania de Minas Gerais em 1720. Essa coincidência histórica não é apenas simbólica: representa a interiorização do Brasil, a corrida do ouro, dos diamantes e, no século XX, a fundação de Brasília. Juscelino compreendeu que a soberania não se afirma apenas com discursos, mas com presença efetiva no território. Ao transferir a capital para o Centro-Oeste, deu início à ocupação de uma região até então inóspita, tornando-a uma das mais prósperas do país. Essa lição permanece atual: a Amazônia só será verdadeiramente nossa se o Estado brasileiro e os cidadãos estiverem lá de forma concreta. Hoje, facções criminosas disputam rios amazônicos, narcotraficantes exploram rotas, e diamantes e ouro saem clandestinamente para mercados estrangeiros. Enquanto isso, o discurso oficial de soberania ecoa, mas carece da mesma coragem e visão estratégica que moveram bandeirantes e estadistas a atravessar a linha de Tordesilhas e consolidar o território nacional.
No cenário político-jurídico, o ministro Luiz Fux expôs, com minúcia, fragilidades das acusações em julgamento no Supremo Tribunal Federal. A ministra Cármen Lúcia citou Victor Hugo em “História de um Crime”: “O mal feito para o bem continua sendo mal; se ele tem sucesso, então vai se repetir.” Essa frase, escrita no exílio em Bruxelas sobre o golpe de Napoleão III, ecoa como um alerta. Mesmo sem sabermos exatamente o contexto pretendido, soa como uma autocrítica ou um aviso interno: aplicar um mal em nome de um suposto bem, condenar sem provas robustas, substituir fatos por narrativas, cria um precedente perigoso que tende a se repetir. É o grilo falante cutucando a consciência do Judiciário.
Cármen Lúcia foi a autora do célebre “Cala a boca nunca mais”, mas abriu exceções ao defender censuras específicas. Ao citar Victor Hugo, parece admitir que a tentação de justificar excessos pode corroer princípios. O voto dela consolidou a maioria: 4 a 1 em alguns casos, 5 a 0 em outros, inclusive envolvendo Bolsonaro, Braga Netto e o coronel Cid. As penas agora serão dosadas, mas, depois do voto de Fux, fica para a história a tarefa de provar que o julgamento foi justo e liso. Não haverá embargos infringentes suficientes para reabrir a discussão. O Rubicão foi atravessado.
Enquanto isso, nas redes sociais, os que pregam amor destilam ódio contra ministros como Fux, chegando ao ponto de uma estagiária do legislativo do DF escrever que “Fux tem que morrer” no X. É a velha tática: acusar o outro do que se é. O discurso de ódio que tantos denunciam mostra-se, na prática, como arma de retaliação. O ódio, ironicamente, teve papel central nesse processo de condenação.
Ao rememorar o 11 de setembro, a lição de Juscelino e as palavras de Victor Hugo, fica evidente que soberania, justiça e liberdade se afirmam não por narrativas, mas por princípios sólidos, presença concreta e respeito ao devido processo legal. Sem isso, o mal, ainda que travestido de bem, se perpetua.






