Justiça e Fé à Luz de Amós: Um Clamor Profético ao Brasil Contemporâneo
Inspirado no capítulo 5 de Amós, o texto denuncia a corrupção institucional e conclama o Brasil ao retorno à justiça, equidade e responsabilidade moral.

No coração do capítulo 5 do livro de Amós, ecoa um grito profético que atravessa os séculos e ressoa com urgência nos dias atuais do Brasil: "Buscai o bem e não o mal, para que vivais". A advertência do profeta, proferida há mais de dois milênios ao reino de Israel, não era apenas uma denúncia religiosa, mas um clamor por justiça social, retidão nas instituições e fidelidade aos princípios de um pacto moral entre Deus, o povo e seus governantes. É impossível ler esse texto sagrado sem traçar paralelos contundentes com a realidade política e institucional brasileira, marcada por uma crescente desconfiança nas instituições, por manobras que afrontam a democracia e por uma elite dirigente que, muitas vezes, troca o bem comum pelo poder pessoal.
Amós não se dirigia a ímpios ou estrangeiros. Sua mensagem era voltada à própria nação que se dizia povo de Deus, mas que havia se afastado do direito e da equidade. Ele denuncia uma elite opressora que transforma "o direito em veneno" e que odeia "aquele que fala a verdade". O profeta acusa um sistema viciado, onde os tribunais são manipulados, os pobres são explorados, e a religião se torna mera fachada para legitimar a injustiça. Essa crítica frontal, radical e espiritual é mais do que atual em um Brasil em que parcelas do poder público se blindam com discursos morais enquanto articulam interesses particulares, fragilizando o pacto federativo, os preceitos constitucionais e os valores éticos da República.
No verso 7, Amós clama contra os que "transformam o juízo em alosna e deitam por terra a justiça". O juízo, neste contexto, é o direito devido a cada cidadão, e a justiça, a virtude que sustenta a convivência civilizada e republicana. Quando essa estrutura é pervertida por interesses ideológicos ou autoritários, instala-se um estado de iniqüidade institucional. Os versículos seguintes reforçam que Deus não se agrada de cultos, festas ou sacrifícios quando a sociedade está afundada na corrupção e na opressão: "Aborreço, desprezo as vossas festas, e com as vossas assembleias solenes não tenho nenhum prazer". Aqui está uma crítica direta ao uso político da religião como instrumento de manipulação e desvio do foco da responsabilidade pública.
O versículo 24, talvez o mais emblemático deste capítulo, estabelece o ideal divino de governança: "Corra, porém, o juízo como as águas, e a justiça como um ribeiro perene". É um chamado à fluidez da equidade, à imparcialidade nos tribunais, ao funcionamento ético das instituições públicas. No cenário brasileiro, essa exigência bíblica confronta o uso indevido do poder Judiciário e Legislativo, a partidarização das decisões judiciais e a cultura da impunidade que protege figuras poderosas em detrimento da maioria vulnerável da população. É um alerta para que os servidores públicos e autoridades, sejam elas religiosas ou laicas, lembrem-se de que a função pública é um serviço ao bem coletivo, e não um trono de privilégios.
Amós também denuncia a ilusão nacionalista que mascara a decadência moral: "Ai de vós que desejais o dia do Senhor! Para que vos serve o dia do Senhor? Será de trevas e não de luz". Em outras palavras, o profeta afirma que não basta invocar a Deus ou se esconder sob bandeiras patrióticas, se os atos são injustos, se os pobres são oprimidos, se os direitos constitucionais são relativizados. O dia do Senhor não será dia de glória para uma nação que oprime seu povo, negligencia sua Constituição e corrompe seus fundamentos éticos.
O Brasil, que se apresenta como nação majoritariamente cristã, precisa revisitar Amós 5 com olhos abertos e consciência desperta. O texto nos convida à autocrítica, à responsabilidade cívica e à reconstrução da justiça como fundamento da paz social. A Constituição Federal, ao estabelecer em seu preâmbulo e em seu artigo 1º os princípios da cidadania, da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, converge com a mensagem de Amós: o poder deve servir ao bem comum, e a justiça deve ser um direito acessível a todos.
Neste tempo de crise institucional, polarização política e instrumentalização religiosa, a mensagem de Amós se ergue como um chamado profético à reforma moral da nação. Não haverá salvação institucional sem arrependimento público, sem renúncia à hipocrisia e sem o retorno decidido ao caminho da equidade. É tempo de fazer correr o juízo como as águas e a justiça como um ribeiro que nunca seca, não como retórica vazia, mas como prática viva no coração das instituições e no cotidiano do povo brasileiro.