A democracia não se negocia: o desafio de preservar a ordem institucional no Brasil
Em meio a tensões políticas, Câmara reafirma compromisso com a Constituição e a ordem democrática frente a atos de obstrução e disputas institucionais.

O cenário político nacional vivenciado nos últimos dias revela, mais uma vez, a urgente necessidade de reafirmarmos os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, conforme estabelecido pela Constituição Federal de 1988. O episódio que envolveu a obstrução da abertura do semestre legislativo na Câmara dos Deputados, protagonizado por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro e parlamentares da oposição, expõe não apenas a polarização política que insiste em tensionar o ambiente institucional, mas também os desafios para garantir a prevalência da ordem democrática, da legalidade e do respeito à soberania do parlamento como expressão da vontade popular.
A atuação do presidente da Câmara, deputado Hugo Mota, ao conduzir com firmeza e responsabilidade o processo de retomada das sessões legislativas, ainda que diante de atos que beiram a intimidação e o desrespeito às normas regimentais da Casa, deve ser compreendida como uma defesa da própria funcionalidade da democracia representativa. Ao declarar que "a democracia não se negocia" e que nenhum projeto político ou pessoal pode se sobrepor ao funcionamento institucional do Legislativo, Mota reafirmou o que está consagrado no artigo 1º da Constituição: "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente". Quando parlamentares impedem fisicamente o funcionamento do Plenário, rompem com esse pacto institucional.
A tentativa de obstrução, somada à convocação de protestos com viés intimidatório, reflete práticas que, longe de fortalecer a participação democrática, desvirtuam o exercício do mandato eletivo e buscam, pela força e pelo ruído, subjugar o debate e o voto, que são os verdadeiros instrumentos de decisão no parlamento. A advertência feita por Mota, de que eventuais desrespeitos poderiam ensejar a suspensão de mandatos e o acionamento da Polícia Legislativa, não é autoritarismo, mas sim cumprimento do dever institucional de zelar pelo funcionamento harmônico e regular do Poder Legislativo, conforme o artigo 2º e os artigos 44 a 56 da Constituição.
Nesse contexto, também ganha relevância a discussão da Proposta de Emenda à Constituição que trata do fim do foro por prerrogativa de função, popularmente conhecido como "foro privilegiado". Embora o tema demande análise técnica cuidadosa e respeite o princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, é essencial que o debate seja conduzido com seriedade, evitando-se manipulações que transformem iniciativas legítimas de aprimoramento institucional em instrumentos de perseguição ou de salvaguarda pessoal.
No plano judicial, a decisão que impôs prisão domiciliar ao ex-presidente Jair Bolsonaro, e que agora é contestada por seus advogados, requer ponderação jurídica equilibrada. A Constituição assegura a todos o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, incisos LIV e LV), e qualquer medida cautelar que afete direitos fundamentais deve estar estritamente fundamentada em risco concreto e proporcional. Por outro lado, é inaceitável que manifestações públicas e discursos travestidos de "saudação ao público" sejam utilizados como subterfúgio para descumprimento de medidas judiciais. O princípio da legalidade exige que ninguém esteja acima da lei, e isso inclui ex-mandatários da República. A crítica à medida judicial deve se dar nos autos e por meios legais, e não por discursos inflamados que colocam em xeque a autoridade das instituições republicanas.
O debate em torno da anistia aos condenados pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro também exige cautela redobrada. Embora a Constituição, em seu artigo 5º, XLIII, vede a concessão de anistia para crimes hediondos e atos atentatórios ao Estado Democrático de Direito, há quem busque contornar essa norma em nome da pacificação nacional. Mas não se constrói paz com impunidade, tampouco se restabelece o diálogo democrático sem a responsabilização de quem atentou contra as instituições. A anistia, se não for criteriosamente delimitada, pode ser interpretada como incentivo à desordem institucional, subvertendo os valores republicanos.
Enquanto isso, no cenário internacional, o Brasil enfrenta o impacto de medidas protecionistas dos Estados Unidos, especialmente com as novas tarifas que afetam substancialmente as exportações brasileiras. O governo federal se vê na obrigação de agir com firmeza diplomática e econômica para proteger a indústria nacional, ao mesmo tempo em que medidas emergenciais, como adiamento de tributos e estímulos regulatórios, estão sendo debatidas. O momento exige uma atuação articulada entre os Poderes, respeitando seus limites constitucionais, mas atuando de forma coordenada para garantir estabilidade política, jurídica e econômica. A defesa do Pix como infraestrutura pública digital, destacada pelo presidente do Banco Central, revela a importância de manter a autonomia e neutralidade institucional frente a interesses privados, o que também está em consonância com os princípios constitucionais da eficiência e da impessoalidade (art. 37). Preservar o interesse público frente a pressões de mercado ou de governos estrangeiros é dever do Estado e da sociedade civil.
O Brasil precisa urgentemente reencontrar o caminho do respeito mútuo, do império da lei, do fortalecimento das instituições e da construção de consensos legítimos. A democracia não se resume ao voto. Ela exige responsabilidade, civilidade e respeito incondicional às normas constitucionais. A política precisa ser exercida como instrumento de transformação e justiça, e não como palco de disputa pelo poder a qualquer custo. Que os poderes da República, cada qual no exercício de sua competência constitucional, estejam à altura desse desafio.