A Construção Científica da Inteligência e do Pensamento Humano: Das Teorias Clássicas às Abordagens Contemporâneas

A evolução do conhecimento sobre inteligência e pensamento humano, integrando teorias clássicas, modelos cognitivos contemporâneos e bases epistemológicas que sustentam a psicologia científica.

A Construção Científica da Inteligência e do Pensamento Humano: Das Teorias Clássicas às Abordagens Contemporâneas

A compreensão científica da inteligência e do pensamento humano é fruto de um longo percurso histórico, atravessado por mudanças paradigmáticas e avanços metodológicos significativos. A partir das contribuições de Vicente Cassepp-Borges (2020) e Lincoln Nunes Poubel (2020), é possível delinear um panorama que integra desde os fundamentos da psicologia científica até os mais sofisticados modelos cognitivos contemporâneos, construindo uma narrativa que articula a evolução das ideias com o desenvolvimento técnico das ferramentas de avaliação.

A noção de inteligência humana, segundo Cassepp-Borges (2020), é a síntese das potencialidades cognitivas do indivíduo e constitui a base fundamental da avaliação psicológica. A busca pela mensuração da inteligência remonta ao século XIX, quando Francis Galton (1822,1911) propôs avaliar as capacidades sensoriais como indicativos de inteligência, introduzindo o uso de métodos estatísticos, ainda que suas premissas não tenham resistido à crítica. James McKeen Cattell (1860,1944), seguindo essa linha, cunhou o termo “teste mental”, embora suas primeiras aplicações não tivessem validade psicométrica reconhecida (ALMEIDA, 2002, PASQUALI, 2020).

A virada metodológica veio com Alfred Binet e Théodore Simon, cujos testes inauguraram a mensuração das funções cognitivas superiores e subsidiaram o desenvolvimento do conceito de quociente de inteligência (QI), posteriormente formalizado por William Stern (SILVA, 2014). Charles Spearman (1863,1945) introduziu o fator geral de inteligência (g), sugerindo uma base comum para as diversas habilidades cognitivas, enquanto Louis Thurstone (1938) contrapôs essa visão ao defender a existência de múltiplas habilidades primárias independentes, ampliando a visão sobre a complexidade do funcionamento intelectual (THURSTONE, 1938, GUILFORD, 1977).

No que diz respeito à mensuração contemporânea da inteligência, destaca-se a Teoria da Resposta ao Item (TRI), que passou a ser amplamente utilizada a partir dos anos 1980, permitindo análises mais sofisticadas do desempenho individual, como observado na aplicação do ENEM no Brasil (FAIAD, PASQUALI, OLIVEIRA, 2019). Atualmente, o modelo Cattell-Horn-Carroll (CHC) é o mais aceito, articulando dimensões como a inteligência fluida (Gf), cristalizada (Gc), memória de trabalho, velocidade de processamento, habilidades visuais e auditivas, entre outras (SCHELINI, 2006, MCGREW, 1997).

Ao lado da inteligência, o desenvolvimento do pensamento é analisado sob diversas correntes epistemológicas, conforme expõe Poubel (2020). O racionalismo, o empirismo, o intelectualismo e o apriorismo moldam distintas formas de conhecimento, científico, empírico, religioso e filosófico, influenciando diretamente os modelos interpretativos sobre a cognição. A psicologia do desenvolvimento, nesse contexto, oferece importantes fundamentos teóricos. Jean Piaget (1975) propôs uma teoria baseada em estágios do desenvolvimento cognitivo, sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal, enfatizando os processos de assimilação, acomodação e equilibração. Vygotsky (1991), por sua vez, centrou-se no papel da linguagem e da mediação social no desenvolvimento do pensamento, com destaque para a zona de desenvolvimento proximal.

Ambos os autores convergem na visão do pensamento como um produto biopsicossocial. Piaget sublinha os mecanismos internos de adaptação e equilíbrio cognitivo, enquanto Vygotsky defende que as funções mentais superiores se desenvolvem por meio da internalização dos instrumentos culturais, sendo a linguagem o principal deles.

A operacionalização do pensamento em situações concretas, como a resolução de problemas e a tomada de decisões, foi modelada por pesquisadores como Newell, Shaw e Simon (1959), que descreveram os processos cognitivos por meio de algoritmos e heurísticas, métodos sistemáticos e atalhos baseados na experiência, respectivamente. Essas categorias explicam o funcionamento do pensamento em diferentes contextos e ajudam a entender o comportamento humano sob uma perspectiva mais funcional (STERNBERG, 1985).

Com isso, a avaliação da inteligência não pode ser dissociada da compreensão do pensamento, já que ambos se moldam em um campo interseccional de influências históricas, sociais, biológicas e culturais. A interligação entre teorias clássicas e abordagens contemporâneas oferece uma base robusta e multifatorial para a prática psicológica, tanto no campo da avaliação quanto da intervenção. A psicologia, ao incorporar tais perspectivas, amplia não apenas sua capacidade descritiva, mas também sua aplicabilidade clínica e educacional, reforçando o caráter científico e humanizado da compreensão do ser humano.

Referências
ALMEIDA, L. S. Teorias da inteligência. 2002.
ARAUJO, S. F. Wilhelm Wundt e os primórdios da psicologia experimental. 2009.
CASSEPP-BORGES, V. Inteligência: a avaliação da inteligência em seus aspectos históricos e contemporâneos. 2020.
FAIAD, C., PASQUALI, L., OLIVEIRA, E. M. Avaliação psicológica no Brasil: desafios e perspectivas. 2019.
GUILFORD, J. P. The nature of human intelligence. New York: McGraw-Hill, 1977.
LINCOLN NUNES POUBEL. Pensamento: a evolução histórica de produção de conhecimentos. 2020.
MCGREW, K. S. Analysis of the Woodcock-Johnson cognitive abilities. 1997.
PASQUALI, L. Psicometria: teoria dos testes na psicologia e na educação. 2020.
PIAGET, J. A psicologia da criança. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1975.
POPPER, K. A lógica da descoberta científica. São Paulo: Cultrix, 1930.
SCHELINI, P. W. A estrutura da inteligência segundo Carroll. 2006.
SILVA, A. A. Teorias psicogenéticas da inteligência. 2014.
STERNBERG, R. J. Beyond IQ: a triarchic theory of human intelligence. Cambridge: Cambridge University Press, 1985.
STERNBERG, R. J. A triangle theory of love. Psychological Review, v. 93, n. 2, p. 119-135, 1986.
THURSTONE, L. L. Primary mental abilities. Chicago: University of Chicago Press, 1938.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991.