O silêncio de Guzzo, o grito das ruas e o desafio das instituições

No mesmo dia em que o Brasil sepulta um de seus maiores jornalistas, multidões vão às ruas exigindo liberdade, anistia e respeito à Constituição.

O silêncio de Guzzo, o grito das ruas e o desafio das instituições

Neste 3 de agosto, enquanto o país testemunha mais um domingo de manifestações em diversas capitais, a morte de José Roberto Guzzo ressoa com intensidade simbólica. O silêncio deixado por seu texto, sepultado em São Paulo, contrasta de forma aguda com o ruído das ruas e o discurso das instituições. Guzzo não foi apenas um dos grandes nomes do jornalismo brasileiro, mas a personificação da coragem intelectual, da independência crítica e do compromisso inegociável com a verdade. Essas são virtudes que se tornam cada vez mais escassas em tempos em que a militância se disfarça de reportagem. Seu legado, ainda vivo, continua a iluminar a escuridão em que parte expressiva da imprensa decidiu se acomodar. Em vez de investigar os detentores do poder, muitos preferem reverenciá-los como cortesãos fiéis.

Nas ruas, a cena foi outra. Multidões tomaram avenidas emblemáticas em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Salvador, Porto Alegre, Belém, Brasília e em tantas outras cidades, com vozes que não ecoavam em nome de políticos ou partidos, mas de princípios fundamentais. Pediram liberdade, clamaram por anistia, exigiram o resgate da ordem constitucional. Apesar disso, uma parte relevante da grande mídia tratou os acontecimentos com desprezo e deboche. Reduziram a legitimidade das manifestações à ausência de figuras públicas nos trios elétricos, ignorando o fato de que a força de uma democracia está no povo que se ergue, não na presença ou ausência de lideranças em palanques. Ridicularizar essa participação popular é não apenas um erro de análise, mas uma afronta à própria ideia de representatividade.

Enquanto o povo manifesta sua insatisfação, cresce o debate institucional sobre temas centrais para o futuro democrático do país. A Lei Magnitsky, a proposta de anistia e a possível abertura de processos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal tornaram-se pautas inevitáveis. Há ministros que afirmam publicamente que a anistia seria inconstitucional. No entanto, uma leitura direta da Constituição não deixa margem para dúvida. O artigo 48 determina que cabe ao Congresso Nacional conceder anistia. Não há qualquer menção à necessidade de validação por parte do Judiciário. A tentativa de transferir essa prerrogativa para o Supremo representa uma distorção inaceitável do equilíbrio entre os Poderes. A negação da anistia por quem não tem competência constitucional para isso é uma violação do princípio republicano.

Neste momento, cabe ao Senado cumprir sua missão. Segundo levantamento recente, há pelo menos 34 senadores favoráveis ao impeachment de ministros do STF. São necessários 54 votos. Resta saber como se posicionarão os 28 parlamentares que ainda se declaram indecisos. O papel do Senado como freio e contrapeso é indispensável. Quando o Judiciário ultrapassa seus limites, atua politicamente ou se exime do dever de prestar contas à sociedade, o Senado deve agir. Não se trata de retaliação, mas de equilíbrio institucional. A omissão do Legislativo diante de abusos compromete a essência da democracia.

Diante da omissão de parte da imprensa tradicional, emerge uma nova forma de jornalismo que se aproxima de sua missão original. Uma figura inesperada, como a comunicadora Bárbara, que realiza um trabalho investigativo baseado em fatos e confronta discursos oficiais com registros públicos, representa essa renovação. Seu trabalho não se baseia em bajulação, mas em crítica fundamentada. Sua atuação reafirma que o verdadeiro jornalismo exige compromisso com a realidade, e não com a conveniência. Ela cumpre o papel que tantos abandonaram: o de defender a sociedade contra o arbítrio e a desinformação institucionalizada. Nesse sentido, ela não é exceção, mas sinal de uma transformação silenciosa que se impõe por mérito e coragem.

O momento que vivemos exige responsabilidade, memória e iniciativa. O Brasil não será salvo por legislações internacionais, por interferências externas ou por atalhos jurídicos. Cabe aos brasileiros restaurar suas liberdades fundamentais, seu direito à crítica, sua confiança nas instituições. A anistia, nesse contexto, não representa apagamento histórico, mas um instrumento jurídico legítimo e constitucional para restabelecer o equilíbrio social e político. É dever do Congresso enfrentar esse tema com coragem, sem se acovardar diante de pressões ou narrativas manipuladas.

Neste domingo, enquanto muitos se despedem de Guzzo, não com o velório que mereceria, mas com a reverência silenciosa de quem compreendeu seu valor, há também quem escreva a nova história do jornalismo e da democracia no país. As ruas falam, as instituições são testadas e a verdade resiste. Não há democracia sem crítica. Não há imprensa livre sem coragem. E não haverá reconciliação nacional sem justiça, memória e compromisso com o futuro.