Prisão domiciliar de Bolsonaro é afronta à Constituição e ao equilíbrio entre os Poderes

A prisão domiciliar de Bolsonaro, sem condenação, representa grave violação à Constituição e ao equilíbrio entre os Poderes.

Prisão domiciliar de Bolsonaro é afronta à Constituição e ao equilíbrio entre os Poderes

A recente decretação de prisão domiciliar contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, representa um marco preocupante na escalada de medidas que ferem frontalmente os princípios fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal. A justificativa para a prisão, baseada em uma videoconferência com manifestantes, não apenas extrapola os limites legais das medidas cautelares como também desrespeita direitos consagrados, como a liberdade de expressão, o devido processo legal e a presunção de inocência.

A Constituição é clara ao afirmar, no artigo 5º, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Bolsonaro não é condenado nem sequer réu neste caso. A alegação de que ele teria cometido ilicitude ao se manifestar por vídeo durante um ato público carece de elementos concretos que configurem crime. O que se observa, na prática, é uma criminalização da palavra, algo inaceitável em um Estado Democrático de Direito.

Além disso, é inegável que decisões monocráticas repetidas e cada vez mais abrangentes por parte de membros da Suprema Corte têm substituído o debate institucional por interpretações unilaterais da lei. A independência entre os Poderes, prevista no artigo 2º da Constituição, está sendo comprometida quando um ministro acumula as funções de investigador, acusador e julgador, sem controle externo e sem transparência.

A crítica política não é crime. Manifestar-se contra o Supremo Tribunal Federal ou seus ministros, ainda que de forma contundente, está no campo da liberdade de opinião e da livre manifestação do pensamento. Não há na Constituição qualquer dispositivo que proíba a crítica a autoridades públicas. Pelo contrário, a democracia se fortalece justamente quando o debate é livre, mesmo que incômodo aos que exercem o poder.

Outro ponto alarmante é a ampliação do inquérito para alcançar figuras públicas próximas ao ex-presidente. No caso do senador Marcos do Val, as medidas impostas, como uso de tornozeleira eletrônica, bloqueio de salários e contas bancárias, além de restrições de locomoção, violam o artigo 53 da Constituição. Esse dispositivo garante que deputados e senadores são invioláveis civil e penalmente por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. A aplicação de medidas cautelares a parlamentares por declarações políticas, sem condenação transitada em julgado, é uma afronta à inviolabilidade parlamentar e à autonomia do Legislativo.

Essas decisões revelam um padrão de perseguição política disfarçada de legalidade. O uso do Judiciário como instrumento de controle ideológico e repressão de adversários compromete a imparcialidade e mina a confiança da população nas instituições. Quando se usa o peso do aparato judicial para silenciar determinadas vozes, o que se compromete não é apenas o alvo da decisão, mas toda a sociedade.

Defender a legalidade não pode ser seletivo. O respeito à Constituição deve ser aplicado de forma universal, sem considerar preferências ideológicas ou posições políticas. O que está em jogo não é apenas a liberdade de um ex-presidente, mas a integridade do sistema democrático brasileiro. O povo não está nas ruas apenas por Bolsonaro, mas por uma ideia. E ideias não se prendem. Ideias não se silenciam com tornozeleiras.

O papel do Supremo Tribunal Federal é o de guardião da Constituição, não o de censor político. É urgente que se retome o equilíbrio institucional, com respeito às competências de cada Poder e com observância irrestrita das garantias individuais. A história será implacável com os que, em nome da estabilidade, rasgaram as leis que juraram proteger.

Defender a Constituição é defender o direito de discordar. É garantir que nenhum cidadão, seja ele presidente ou não, esteja sujeito ao arbítrio. E, sobretudo, é lembrar que democracia não se sustenta sem liberdade.